Relutei para publicar algo sobre o assunto, já amassei vários rascunhos e não postei. Mudei de opinião algumas vezes e ainda tenho receio da cozinha molecular, que não é um mundo só de espumas e esferizações.
Nunca tinha provado uma esferização. Fiquei curioso e depois de algumas buscas pela internet, consegui comprar os produtos. Não sei se usei as proporções certas, mas não me agradou em nada. Já fiz caviar de manga, maracujá, abóbora... Na última tentativa resolvi fazer um nhoque molecular. Queria o mesmo sabor de um nhoque tradicional, só modificar a textura. Resultado: não gosto de esferizações. Ainda bem que a cozinha molecular, vai muito além disso!
Mas que fique clara a diferença entre gastronomia molecular e cozinha molecular. A primeira é uma ciência que estuda não só os processos químicos que ocorrem durante o cozimento do alimento, mas também os aspectos sociais, artísticos, culturais da preparação e do consumo dos mesmos. O termo foi definido em 1988 pelo físico Nicholas Kurti e pelo químico Hervé This. Já a cozinha molecular é a aplicação da ciência, utilizando novos equipamentos, novos métodos e ingredientes desenvolvidos através da gastronomia molecular.
Feijoada molecular da chef Helena Rizzo |
Nessa última semana, terminei o livro Herança culinária e as bases da gastronomia molecular, do Hervé This e da jornalista Marie Odile Monchicourt. O livro é delicioso, devorei em duas noites. This propõe um menu completo, totalmente simples. O primeiro prato é um simples ovo cozido com maionese. Achei fantástica a ironia. Ovo cozido? Nesse momento, ele questiona: Como você cozinha o ovo? Coloca pra cozinhar na agua ainda fria ou fervendo? Quanto tempo? Como deixar o ovo perfeito? A gema vai ficar centralizada? Não vai ficar verde entre a clara e a gema? This mostra que a gastronomia molecular é construída através de pesquisa e quer desvendar todos esses mistérios.
Isso já cala a boca de muita gente, mostrando que a ciência é fundamental, que precisamos ter conhecimento técnico, diga-se físico e químico (nesse caso), daquilo que estamos fazendo. Isso só facilita o nosso dia a dia, isso só nos dá oportunidade para termos mais tempo e executarmos tudo com mais precisão, sem deixar de lado aquilo que aprendemos com os nossos antepassados, lapidando todos os conhecimentos adquiridos.
Não vamos ser pretensiosos a ponto de achar que isso tira o afeto e o amor por aquilo que estamos preparando. Se for assim, vamos voltar a escrever com pena e tinta, e jogar nossos computadores no lixo. É lindo receber uma carta desse modo, escrita com pena e tinta, mas não podemos trabalhar dessa maneira. Queria eu jogar o meu fogão e o micro-ondas no lixo e mandar construir um fogão à lenha na minha cozinha. Seria delicioso e até mesmo poético. Podemos e devemos utilizar, mas não podemos fechar os olhos para o novo. Outro ponto interessante do livro de This é quando ele fala do tradicional: “Tradicional é aquilo que se transmite, diz a etimologia, mas se, desde muito jovens, formos expostos aos novos métodos, o tradicional dos outros será o obsoleto para nós, enquanto o nosso tradicional pode tornar-se o inovador para nossos vizinhos. Desconfiemos, pois, do “tradicional”.(p.28)
Lembrando também que não devemos ser radicais, adoro uma citação do sociólogo Carlos Alberto Dória, quando ele fala que a técnica é uma ferramenta: “Não existe essência humana independente do trabalho. A técnica, meramente ferramental, só garante resultados mais precisos. Deixar a novidade técnica conduzir a cozinha é o mesmo que deixá-la entregue à magia dos babalorixás: ambos escondem o mundo, em vez de desnudar sua dinâmica material. Para o comensal, contudo, nada se sobrepõe ao próprio paladar.”
Claro que a cozinha molecular impressiona. Quem não ficou deslumbrado com as primeiras aulas de química e física dentro de um laboratório? Coisas básicas que mexem com nosso imaginário. Acho isso a maior “pegada” da gastronomia molecular. Tentar emocionar, impressionar, fazer você suspirar e lembrar-se de situações, logo na primeira mordida, ou lambida. A imaginação tem que rolar solta e ao mesmo tempo mostrar que aquilo é comida, que alimenta e que tudo é muito cultural. O lado afetivo tem que falar mais alto.
Ainda é uma cozinha cara, os equipamentos são caros e a equipe tem que estar preparada; isso custa! Claro que esse mesmo custo é repassado para o comensal. Talvez por isso que ainda existe tanto preconceito e muitos falam que é uma cozinha de grã-finos.
Infelizmente o preconceito é por conta da falta de conhecimento no assunto. Outro dia, uma pessoa que está entre meus amigos em um grupo de uma rede social publicou: “que coisa mais cafona essa gastronomia molecular” Ela falava da pretensão e da falta de afeto com a cozinha.
Na verdade, tudo pode cair nesse “cafonismo”, como a moda, a música, as artes em geral. Isso acontece quando o produto é consumido por um público ávido por modismos. Aquele público que gosta de ir a um restaurante para ver e ser visto. Um público que acha que vai estar totalmente “in” quando experimenta o novo, sem ao menos ter o mínimo de conhecimento daquilo.
Falando em clichê (digo por conta da fama), ao mesmo tempo aplaudo de pé Alex Atala, que introduz essa gastronomia de uma maneira inteligente em sua cozinha. Ajoelho também para Roberta Sudbrack, que torce o nariz para o assunto e faz de sua cozinha um templo muito pessoal.
Contudo, prefiro ver essa nova fase da gastronomia como arte, prefiro me emocionar com os apaixonados por gastronomia. Nobre é aquele que faz correr uma lágrima na primeira garfada, seja ela provocada por algo cozido no fogão à lenha ou no thermomix.
MINHA VERSÃO DO NHOQUE MOLECULAR |
Beijos e abraços temperados!
Amei o seu texto!!!
ResponderExcluirAs pessoas, talvez por falta de conhecimento, como você mesmo falou, não estão prontas para apreciar a culinária molecular e muitas acham supérfluas as descobertas da gastronomia molecular.
Os altos preços dos restaurantes que se dedicam a culinária molecular, ainda que resultem dos seus custos e da especialização dos Chefs, acabam afastando os comensais.
Mas uma experiência dessa é, sem dúvida, ímpar e inesquecível.